A evolução nas taxas de matrículas do ensino superior mostra que as instituições públicas ainda não se adaptaram para receber estudantes que são obrigados a conciliar estudos e trabalho.
Apesar de 63% dos quase 5,5 milhões de vagas serem destinadas ao período noturno em todo o Brasil, segundo o Censo da Educação Superior de 2010, a maioria delas se concentra nas particulares. As vagas noturnas em universidades federais não chegam a 30% do total.
Embora o Ministério da Educação tenha lançado em 2007 um programa que incentiva as universidades federais a criarem cursos noturnos, o aumento na oferta não foi suficiente para que essas vagas ultrapassem 30% do total. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) amplia os repasses para as instituições que se comprometerem a cumprir uma série de metas, entre elas a ampliação das graduações ofertadas à noite.
Sala de aula e trabalho
Juliana Conrado, de 24 anos, cursa o 2.° ano de Direito em uma faculdade particular de Ponta Grossa , no estado do Paraná. Ela trabalha como recepcionista de uma rádio da cidade de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas, com um período de duas horas de intervalo para o almoço. Logo que sai do emprego, recolhe o material e segue para a faculdade.
"É cansativo. Tem dias que chego atrasada, que o estudo não rende, mas não dá para parar de trabalhar", conta. Com o salário, ela ajuda a mãe a custear a faculdade e também compra os livros necessários. "Ficar dependendo só da minha mãe é complicado. Então procuro ajudar de alguma forma", conta.
Já formada em Letras, em 2007, ela chegou a dar aulas por quase dois anos. Mas optou por fazer outro curso para conseguir melhores oportunidades de emprego. "O curso de Direito abre mais chance para passar em algum concurso público, que paga melhor", explica.
Durante o expediente, quando sobra um tempo, ela não nega que tenta adiantar os trabalhos da faculdade. "Aqui não tem problema. O pessoal entende. Mas faço isso só quando dá mesmo. A grande dificuldade em estudar à noite é o cansaço que bate durante as aulas. Mas quem quer e precisa trabalhar dificilmente vai ter tempo para se preparar para um vestibular de uma instituição pública", diz.
A constatação de Juliana também é apontada pelo pesquisador Armando Terribeli Filho. "Quem estuda à noite geralmente o faz desde o ensino médio, para poder trabalhar durante o dia e ajudar nas despesas de casa. Com isso, o tempo de estudo para um vestibular de instituição pública é mínimo", explica.
Cursos mais longos
Uma das saídas possíveis para que a expansão das vagas noturnas nas instituições públicas ocorra sem prejuízo à qualidade da formação é ampliar a duração do curso - uma graduação de quatro anos, por exemplo, poderia ser estendida para seis.
"Se o motivo de não existirem mais vagas é a dificuldade de fazer pesquisas no período noturno, poderia ser estudada a possibilidade de ampliar o tempo dos cursos. A estrutura já existe dentro da instituição. O único gasto a mais seria com profissionais", avalia o doutor em Educação José Marcelino Pinto.
Ainda segundo ele, os cursos ofertados no período noturno normalmente são os menos procurados. "Os demais, com maior procura, como Odontologia, Medicina e as engenharias, são todos diurnos", salienta.
Despesas
O pesquisador Armando Terribili Filho atesta que a lógica da economia no ensino público superior ainda prevalece. "Por isso, não há essa vontade em mudar a situação. Nessa lógica de economizar, quem sai prejudicado é sempre o aluno", salienta.
O próprio presidente da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação, Paulo Speller, considera que a ampliação do tempo de estudos é inviável. "Já temos cursos de cinco anos. Aumentar para sete seria impossível. O custo seria muito elevado", diz.
A restrição do número de vagas noturnas, segundo o professor José Marcelino, é mais um fator que faz com que as universidades públicas se tornem cada vez mais elitistas. "O acesso pelo vestibular já é restrito, com alta concorrência. Quando não ampliam as vagas para o período noturno, essa elitização fica ainda mais clara", ressalta.
Na esfera estadual, a proporção ficou praticamente estável neste período, com 46%. Já na rede privada, a participação dos cursos noturnos cresceu e já passa da casa dos 70%, contra 67% registrado há dez anos.
No Paraná, os dados do Censo revelam situação semelhante ao registrado em todo o país. Quase 80% das mais de 335 mil vagas em instituições privadas são destinadas ao período noturno. Já na rede estadual, o índice é 51% e na federal, 36%.
Exclusão social
O reduzido índice de oferta de vagas em cursos noturnos caminha lado a lado com a exclusão social. "O pessoal que estuda à noite e trabalha durante o dia faz isso porque precisa. Quando não se abre vaga para o período noturno, excluem-se totalmente os trabalhadores do sistema público", salienta o doutor em Educação e pesquisador do tema Armando Terribili Filho.
Ele aponta ainda outra dificuldade de quem é obrigado a cursar o ensino superior no período da noite. "A maioria dessas pessoas acaba usando o dinheiro que ganha com o trabalho para ajudar a pagar o curso e para o próprio custeio. Se o aluno estudasse de forma gratuita, em universidade pública, o dinheiro poderia se reverter em compras de livros", destaca.
De acordo com o doutor em Educação e professor da Universidade de São Paulo (USP) José Marcelino Pinto, muitas vezes a pessoa que deseja um diploma universitário se vê obrigada a ingressar em uma instituição particular. Além da ampliação de vagas para o período noturno, José Marcelino afirma que uma das alternativas seria ampliar o número de bolsas aos estudantes. "Dessa forma, eles poderiam se dedicar exclusivamente aos estudos. Mas, como isso não existe, as faculdades particulares se aproveitam do nicho e ofertam a maioria dos cursos à noite", diz.
O presidente da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE), Paulo Speller, refuta a ideia de que as instituições públicas não estão preparadas para abrigar estudantes-trabalhadores. De acordo com ele, está ocorrendo um aumento gradativo de cursos noturnos na rede pública. "Mas muitos cursos exigem período integral. A lógica dos cursos de instituição pública, principalmente nas federais, se concentra em grupos de pesquisas e projetos de extensão, não permitindo que a graduação seja ofertada apenas em um período", afirma.
Desistência é menor entre mulheres
Na última década, as mulheres foram maioria no ensino superior em todo o Brasil, tanto na esfera pública quanto na privada. Em 2001, 56% de um total de mais de 3 milhões de matrículas eram de pessoas do sexo feminino. No ano passado, segundo o Censo da Educação Superior de 2010, 57% dos quase 5 milhões de matriculados eram mulheres.
Paralelamente a esse fenômeno, o levantamento mostra que o índice de conclusão de cursos também é maior entre as mulheres. Em 2001, 62% dos formandos eram do sexo feminino e no ano passado foram 61%.
Mas, segundo o presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, Paulo Speller, não há uma explicação para o fato. De acordo com ele, essa é uma tendência que acontece em todo o mundo ocidental. "Não há uma explicação pronta para esses números. O que percebemos é que realmente mais mulheres fazem curso superior e a maioria delas se forma", afirma.
Tendência mundial
De acordo com Speller, somente em países orientais, principalmente naqueles onde existe preconceito contra as mulheres, é que os homens são a maioria da população com curso superior. "Nos demais países, como os da Europa e América, as mulheres já conquistaram seu espaço e estão procurando se aperfeiçoar profissionalmente. Não há resistência para as mulheres fazerem um curso superior. Não é um fenômeno brasileiro apenas, mas mundial", ressalta Speller.
Fonte: Gazeta do Povo – PR